Saturday, September 10, 2011

Anatomia

Já se passaram quase 3 anos, mas lembro-me como se fosse hoje da minha primeira prática de anatomia. Acordei cedo e fui para a faculdade, na ansiedade de encontrar aquilo que estava por vir...
Um dia antes viajara 360 km para prestar as últimas homenagens ao meu último avô, falando assim nem parece que só tive dois, mas é assim que pensei... Era um dia de domingo ensolarado, acordei com a noticia e imediatamente viajei para o funeral...
Estudar anatomia é um grande processo de desmistificação da vida, entendam bem o que estou falando, não estou dizendo que esse estudo faz de nós menos humanos ou mais despeitados com a vida humana. Mas que a desmistifica.
Fui um dos primeiros da sala a ter contato com o cadáver que possuíamos...estava entre os 4 que se voluntariaram para tirar. A primeira sensação estranha é a do forte cheiro de formol queimando as suas narinas, seus olhos...depois vem o peso em si e depois um pouco de desfiguração que a fixação provoca.
Nem parece com o meu avô, logo pensei.
Apesar de ter morrido de morte súbita, sem tempo nenhum para resolver qualquer problema que ainda tivesse na terra, meu avô tinha uma serenidade incrível no caixão, parecia que estava dormindo, como alguém que passou a vida toda em uma grande luta e finalmente tivesse encontrado a paz. Seu corpo ainda não tinha sofrido os efeitos do tempo e da decomposição.
Mas, voltemos a aula... Chamei-o de Adão, por ser o primeiro que viria a ser nosso "professor" para este estudo tão peculiar...gostei realmente dele e em certas horas devaneei pensando como poderia ter vivido aquele homem...o que ele teria sido na vida... apesar de todos verem como um ente, sem vida... gostei de pensar um pouco no ser que teria vivido ali. E um pouco de toda a mistificação em torno da vida caiu ali.
A vida é realmente algo tênue, um dia estamos vivos e no outro não mais, um dia estamos vivos e no outro poderemos estar sendo estudados em uma mesa de mármore branco. Portanto é necessário viver de forma que a vida valha a pena. Respeitando o próximo, cultivando o amor e as amizades e acima de tudo, não perdendo o respeito por si mesmo.
A professora discorreu sobre o assunto, mostrou alguns músculos e algumas outras partes interessantes que estavam dissecadas e dava para observar... foi uma aula interessante e talvez crucial para responder a todas as pessoas que me perguntam até hoje sobre essas experiencias iniciais do curso.
Esse contato tornou-se frequente por 1 ano e seis meses e com outros cadáveres, levando-me sempre a refletir um pouco mais sobre a vida humana e como ela é tênue, você pode passar por ela e nunca realmente ter vivido.

AC